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quinta-feira, fevereiro 26, 2004

In A Bar Under The Sea 



De novo em Portugal, agora pela mão da SIC Gold (e se aquele canal não é serviço público, então não sei), podemos rever Cheers. Uma grande série que redescubro com imenso prazer. O mesmo prazer de um straight bourbon ou de um gin and tonic ao fim do dia (servidos pela Diane Chambers, claro está). Aqui está um bar onde não me importaria mesmo nada de me esquecer de voltar a casa. JR

Pétalas caídas (III) 

Se alguma coisa me afastou desde cedo da esquerda foi, para usar uma conhecida expressão do Nelson Rodrigues, o prosaísmo dos «idiotas da objectividade». Os «idiotas da objectividade» não são forçosamente de esquerda. Muitos estão à direita e muitos são de direita. Todos têm uma pretensão de objectividade, uma crença demasiado pueril e confiante no valor cartesiano e auto-suficiente das suas convicções. Eu não tenho muita paciência para pessoas que encaram o mundo a partir de premissas improváveis. Elas querem ter razão e acham que têm. Eu não quero ter razão. Não quero ser fiel a nenhuma ideia, a nenhum catálogo, a nenhum sistema. Não quero compreender o mundo. Interessa-me o meu temperamento e a minha experiência. A experiência arrasa as nossas convicções mais profundas em segundos. Ter percebido isto fez de mim um céptico. Montaigne explicou isto muito bem. Devemos lê-lo.

Pedro Lomba, in "Flor de Obsessão", 20 de Novembro de 2003


Os portugueses ficam absurdamente satisfeitos quando encontram um cidadão multado na estrada. É um contentamento mesquinho, vicioso. Nós não somos nada do que parecemos. Essa coisa do povo brando, generoso, familiar. Somos o contrário de tudo isso. Somos uma gente que deseja o próximo enterrado até às orelhas. Se o coitado foi retido pela polícia, é porque mereceu. Porque colocou a pata fora do sítio. Porque decidiu ser espertalhote. Nós prezamos a autoridade. Temos respeitinho. Só não queremos é que nos moam muito a cabeça. E nos deixem em paz com as nossas trafulhices. Os outros que sejam apanhados. Merecem-no. Nós não.

Pedro Lomba, in "Flor de Obsessão", 6 de Novembro de 2003

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Nós, os vencidos do catolicismo 



Acabo de comprar "Nós, os vencidos do catolicismo", de João Bénard da Costa (à venda por 7.20 Euros na Fnac, by the way). Editado pelas Edições Tenacitas, de Coimbra, trata-se do relato na primeira pessoa de um grande vulto da nossa cultura, que viveu intensamente os sonhos e fracassos dos católicos progressistas, sem dúvida alguma o movimento de oposição ao Estado Novo que mais admiro. Algo me diz que o irei ler avidamente. Espero escrever sobre este livro dentro de algumas (poucas) semanas. É uma questão de acabar de ler as "Notas Contemporâneas" do Eça. Mal posso esperar. JR

Descendo a Rua Angelina Vidal 

Num vão de entrada dum prédio vejo cobertores amontoados. Muitos cobertores, sujos e de todas as cores. Um súbito pensamento arrepia-me: debaixo daqueles cobertores pode estar alguém. Um ser humano. E não sou capaz de jurar, mas julgo ter visto um rosto, debaixo daqueles cobertores. Aqueles cobertores mexeram-se. Tudo isto enquanto caminhava. Não parei. Ninguém parou. Ninguém reparou. JR

Pétalas Caídas (II) 

Regresso a casa e dou de caras com um bando de adolescentes. Os adolescentes andam, como se sabe, em bando. Eu nunca vi um adolescente que não andasse. Um adolescente solitário e quieto. Se um rapaz de 15 anos for dado à quietude, não é um adolescente. É qualquer outra coisa por classificar. Algumas ideias feitas sobre os adolescentes exigem a nossa meditação. Se o ser humano é frequentemente um projecto de estupidez, a adolescência é o mais triste período desse projecto. Não conheço um adolescente que não seja estúpido. Poderia dar o meu exemplo. Recordo com vergonha a minha colossal estupidez adolescente. Também nunca vi um adolescente que não fosse ruidoso, que não insultasse os mais velhos ou não erguesse a voz acima do nível de decibéis consentidos por Deus. Mas há mais. Regresso a casa e apanho um grupo de adolescentes, em bando, num tropel imenso, todos agarradinhos às namoradas, puxando-lhes as camisolas e os cintos como se as fossem perder no dia seguinte. O que me faz pensar que o adolescente é possessivo. É proprietário antes de o ser. É despótico. E, acima de tudo, é grotescamente ignorante. O adolescente não sabe nada. O bando de adolescentes agarradinhos às namoradas passa por mim com ar de triunfo. Já não tenho idade para vexatórios e continuo. Sei o futuro. Sei que, quando revir o bando, o adolescente já não se agarrará à camisola e ao cinto da namorada com o mesmo despotismo. Pelo contrário: de carrasco passará a vítima.

Pedro Lomba, in "Flor de Obsessão", 18 de Dezembro de 2003


Regresso à Terra-Mãe 

Após um mês de trabalho intenso fiz as malas e parti com a família em direcção ao Alentejo. Convidámos um grupo de 15 amigos para uma matança do porco, e no sábado de manhã a tradição voltou a cumprir-se. Agarrar, facada, queimar, musgar, lavar, “barbear”, abrir e desmanchar: toca a comer febras. As músicas da rádio Alqueva animavam o ambiente, tal como as sete caixas de vinho e as conversas entre pessoas que não se viam há bastante tempo.
A casa encheu-se de vida e de calor humano, enquanto lá for a o frio impiedoso era reforçado por chuviscos gelados embora intermitentes. Novidades, anedotas, estórias, projectos para o futuro, de tudo se falou naquela tarde. Fomos tomar café à Sociedade e no fim da tarde dei uma volta com o meu primo, nos arredores da aldeia. No Inverno, toda a terra alentejana adormece em hibernação. Para nós humanos também é uma estação importante. O corpo amolecido volta a enrijecer, o frio penetrante obriga-nos a estar em movimento permanente no exterior das casas, a natureza imóvel sugere-nos a meditação e a tranquilidade, e a alma ganha um formidável ascendente sobre o corpo nestes meses em que as actividades ao ar livre se encontram substancialmente reduzidas. Ao longo do passeio vou-me sentindo cada vez mais forte, enquanto o verde dos campos entra para o meu olhar que tão bem o reflecte.
Os cães correm excitados à nossa volta, enquanto falamos e expelimos baforadas de vapor de água; está na hora de voltar, agora que o sol desaparece atrás das colinas.
Ao jantar provo a entremeada, que está uma especialidade, acompanhando-a com pão, salada e uma valente pratada de sangue temperado. As conversas prolongaram-se até à uma da manhã, e no domingo a primeira refeição foi o almoço. A festa prolongou-se até segunda, e o balanço destes dias felizes não podia ser melhor. Sentindo a brisa acariciando-me a face com a frescura de lâminas afiadas, penso em todas as famílias portuguesas que têm uma Terra-Mãe para visitar, amar e venerar. À nossa. E à nossa terra. RM

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Até ao Fim do Mundo 



Until The End of the World is a tale
of love and hope -- a metaphor for
the journey we must
all take toward our future…
the ultimate road movie.


Na Dois, a altas horas da noite passada, tive a oportunidade de ver Até ao Fim do Mundo, do cineasta alemão Wim Wenders. Datado de 1991, o filme narra uma história simples (as histórias mais belas são as mais simples de todas): estamos em 1999 e um satélite nuclear indiano perde o controlo. Ninguém sabe onde irá cair. O Mundo sustém a respiração. O Apocalipse está por dias. Claire (Solveig Dommartin), uma jovem e bela mulher, apaixona-se por Trevor (William Hurt), um homem numa missão arriscada. Juntamente com um detective privado (Rüdiger Vogler), e perseguida por Eugene Fitzpatrick, um escritor que a ama (Sam Neill, talvez se lembrem dele em Jurassic Park), Claire seguirá Trevor numa jornada através da Europa (com passagem por Lisboa), Ásia e América, terminando nos desertos da Austrália Central. Uma vez aí chegados, Trevor reencontra-se com o seu pai, o cientista Henry Farber que, acolhido no seio de uma tribo aborígene, construiu nas suas grutas sagradas um abrigo nuclear e um laboratório. Nesse laboratório, Farber dedica-se arduamente a um só objectivo: a pesquisa do sono, dos sonhos e das ondas cerebrais com vista a restituir a visão à sua mulher (mãe de Trevor, portanto) Edith, que a perdera aos oito anos. Henry e Edith eram refugiados judeus, fugidos às perseguições nazis e naturalizados cidadãos americanos. Os primeiros dias do Inverno de 2000 são passados em suspenso, à espera do Fim do Mundo. Felizmente, o satélite explode no Espaço. O Mundo respira de alívio. Edith recupera a visão, mas nunca mais será a mesma. Morre, deixando Henry à beira do desespero. As suas pesquisas aperfeiçoam-se ao ponto de poder ler e registar os seus sonhos, os de Trevor e de Claire. A loucura apodera-se destes. Após esta passar, o grupo dispersa-se. Fatalmente. Inevitalvelmente. Eugene registará tudo em livro. O seu primeiro romance de sucesso. Claire tornar-se-á astronauta, contemplando na cena final a Terra, a bordo da Estação Espacial Internacional.

Cada vez gosto mais de Wim Wenders. Gosto dele porque é um romântico incurável. E um humanista. Cada filme dele (Paris, Texas é simplesmente lindíssimo) é, para mim, uma suave epifânia. Wenders tem ainda algo que me comove: como Europeu que é, tem um fascínio puro e infantil pelos grandes espaços. Pelas vastidões desoladas, sejam elas as da Sibéria, do Texas ou da Austrália. Wenders tem também um apurado sentido pop, no que se refere às bandas sonoras dos filmes. A sua longa e profícua colaboração com os U2 é conhecida (Until the End of The World, do álbum Achtung Baby é o tema final do filme) e só na banda sonora deste filme encontramos nomes como Nick Cave, REM, Talking Heads, entre outros. Noutro dos seus filmes, Lisbon Story, a banda sonora é integralmente da autoria dos Madredeus. Um senhor, este alemão.

Algo neste filme chamou igualmente a minha atenção: estávamos em 1991. Vivia-se a ressaca da Guerra Fria. O inimigo desaparecera. Inventavam-se novos Apocalipses, cenários mirabolantes. Em muita da filmografia dos anos noventa (Independence Day, Deep Impact, X-Files) pairam teorias da conspiração, civilizações alienígenas, asteróides assassinos. Precisávamos de novos inimigos para continuar a fazer filmes. Acordámos desse sonho naquela radiosa manhã de Setembro de 2001, com a brutal imagem das Duas Torres em chamas. E não, aquilo não era um filme. JR

Em defesa dos pactos de regime 

De passagem por Portugal, a consagrada jornalista e escritora espanhola Rosa Montero concedeu uma entrevista à revista Visão. Apesar de desconhecer a sua obra literária, li-a com agrado e registei o seu claro conteúdo político. Nela, a Srª Montero pouco mais faz do que dar largas às diatribes habituais de uma certa esquerda bem-pensante: o malvado do Bush e da globalização, o lifting de Berlusconi (um crime contra a Humanidade, não haja dúvida) e por aí adiante. Fiquei também a saber que Fidel Castro "não é de esquerda". Como ditador totalitário que manifestamente é, "é sempre de direita". Vamos bem. Uma frase, no entanto, mereceu a minha atenção e concordância. Disse a senhora: "Há ocasiões em que a política se transforma num circo, quando deve ser o contrário. Preferia que fosse como na Holanda, aborrecida mas não vergonhosa. A política aborrecida é um seguro."

E aqui não posso concordar mais. Em Portugal, mais especificamente, um dos mais desejáveis sinais de maturidade da nossa democracia - e aqui introduzo a minha tese - seria a existência de um acordo de cavalheiros entre os partidos do bloco central, o PS e o PSD, acordo esse que abarcaria áreas vitais para a governação de longo prazo do nosso país: as finanças públicas, a política externa, os serviços secretos, as comissões de inquérito parlamentares, a rotação de cargos de nomeação nas empresas públicas, etc. Em democracias mais avaçadas, como nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Holanda ou na Escandinávia, tais acordos, tácitos ou não, são pratica corrente desde há décadas. Gerações sucessivas de parlamentares, governantes ou directores-gerais aprenderam a conviver naturalmente com a alternância de poder, preservando áreas sensiveis da governação dos destemperos da politquice. Na monumental biografia de Winston S. Churchill, da autoria de Roy Jenkins, infelizmente ainda não traduzida entre nós (em 2002 encontrava-se à venda na Waterstone's de Trafalgar Square por sete libras, uma pechincha), podemos ver como na Grã-Bretanha, desde há já várias décadas, políticos Conservadores e Trabalhistas cultivam relações de cordialidade e convivência saudável nos mais variados momentos da vida política. Muitos deles andaram nos mesmos colégios, mantendo viva essa ligação e essa estima ao longo dos anos. Uma democracia saudável não é apenas aquela em que o debate político é mais intenso. É também aquela onde políticos rivais podem tranquilamente almoçar à mesma mesa. É aquela onde a política, nas palavras da Srª Montero, é "aborrecida mas não vergonhosa".

Em Portugal, apesar de tudo, e considerando que somos uma democracia relativamente jovem, as nossas élites têm mostrado alguma maturidade ao longo destes anos. Na integração europeia, PS e PSD sempre se entenderam quanto ao essencial: a adesão à CEE (firmada durante o governo do Bloco Central), a adesão ao Euro, as negociações nas instâncias comunitárias e nos tratados de Maastricht, Amsterdão e Nice são disso um bom exemplo. Na política externa, falou-se sempre a uma só voz quando se tratou da questão timorense, do envio de tropas portuguesas para missões de paz internacionais, da negociação dos acordos da Base das Lajes, da relação com os países de língua portuguesa, etc. Não é preciso citar mais exemplos - apesar de estes existirem - para demonstrar que, apesar de tudo, há boas práticas instituídas por parte de quem nos tem governado. Para uma democracia tão jovem como a nossa, não é nada mau.

Mas há sinais preoucupantes. Convém não esquecer que o actual governo de maioria PSD-PP é o primeiro assumida e ideologicamente de centro-direita em Portugal desde 1974. A AD de Sá-Carneiro e Freitas do Amaral era centrista e reformista. Os governos do Prof. Cavaco Silva eram pragmáticos, economicamente tecnocráticos e ideológicamente neutros. A experiência de termos governantes assumidamente de direita é, entre nós, inédita. E alguns deles (Paulo Portas, Mariana Cascais et al.) não desdenham uma boa blague, uma declaração bombástica aqui, uma farpazinha ali, para demonstrarem à saciedade as suas afinidades ideológicas. Por vezes com a subtileza de um elefante numa loja de porcelanas (recordar o caso Maria Barroso, o da Educação Sexual nas escolas, o da "religião oficial", a título de exemplo). A adicionar a isto, convém lembrar que desde a sua tomada de posse, o actual executivo optou por uma agressiva política responsabilização dos governos de Guterres e de abaixamento geral de expectativas. Uma opção legítima, mas com consequências. Por outro lado, e há que dizê-lo, este PS é um perigo. A actual direcção transformou-o numa partido esquerdista, flibusteiro e ressabiado, dando rédea solta a cromos como Ana Gomes ou Paulo Pedroso (apenas para citar alguns). Por outro lado, com o eleitorado de centro rendido à coligação no poder, o PS virou-se para um histerismo frentista, procurando o apoio de partidos (PCP e BE) que, no fundo, o desprezam.

Isto tem consequências. Na política externa, o PS quebrou um dos mais importantes acordos de cavalheiros que a regiam desde 1974: o da sua componente simultânemente europeia e atlântica. Reagindo ao esperado e natural apoio do Governo à intervenção Americana no Iraque, e para não perder o pé, os socialistas foram a reboque do PCP e BE (partidos cujo europeísmo é uma fraude), causando equívocos e desentendimentos nas nossas élites que levarão anos a superar. A memória dos socialistas é curta, pois esquecem-se da intervenção da NATO no Kosovo, em 1999, a qual, apesar de não ter o aval das Nações Unidas, foi apoiada pelo PSD, então na oposição. Portugal é signatário da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Os aliadados são aliados, nos bons e nos maus momentos. Os compromissos são para cumprir, quaisquer que sejam os governos. Já no que se refere às finanças públicas, e após a entrada no Euro, Portugal perdeu muitos dos instrumentos que no passado tinha à sua disposição para dar competitividade à Economia em tempos de crise, como a desvalorização do Escudo, por exemplo. Agora as regras são outras e os tempos mais difíceis. Seria por isso desejável que os principais partidos de poder firmassem um pacto de não-agressão quanto ao déficit e à finanças públicas. Infelizmente, nada disso parece vir a acontecer. Apesar dos bons ofícios do Presidente Sampaio e de um manifesto de vários economistas e personalidades de relevo, Governo e oposição assobiam cada um para seu lado. Será difícil sair desta espiral de culpabilização mútua, com todas as implicações negativas para a nossa economia e credibilidade externa que a mesma implica.

Haja pelo menos a esperança de que as coisas não serão sempre assim. Este PS não é o partido que irá suceder ao actual governo. Acredito firmemente que socialistas responsáveis e com sentido de Estado como António Vitorino, Jaime Gama, Severiano Teixeira, Correia de Campos ou Oliveira Martins (apenas para citar alguns) saberão, quando chegar a sua hora, estabelecer as pontes necessárias com o PSD em políticas essenciais. Por outro lado, seria desejável que o actual Primeiro-Ministro tivesse mão em elementos mais exaltados do seu elenco governativo. A direita merece (e tem) uma opurtunidade de governar Portugal como deseja. Os portugueses mandataram-na para tal nas últimas eleições legislativas. Mas este permanente ajuste de contas com o passado (quer o mais recente quer o mais distante) tem que ter um fim. O discurso da "tanga", a continuar, apenas irá gerar mais ressentimentos e mal-entendidos, comprometendo a evolução natural da nossa democracia em direcção a uma maior maturidade. A política portuguesa pode ficar menos aborrecida, mas os custos para o nosso futuro colectivo serão elevados. JR

Avé Caius Iulius Philipus, os que te vão ler saúdam-te! 

Correm rumores sobre a criação, nos próximos dias, de um blog exclusivamente dedicado à História e Cultura Greco-Romanas, mais específicamente à Roma Antiga. Ao que consta, o mentor da iniciativa será o Filipe Alves, do Respublica que, em conjunto com outros nobres patrícios, pretende criar um blog que fale "da sociedade romana, das complicadas relações de clientela e amicitias, da questão da escravatura, da vida privada, do sistema político da república e do império, do direito romano, da longa evolução histórica do estado romano (ab urbe condita até à conquista ostrogoda), e de muitos outros assuntos." Uma tarefa que prevejo nobre e grandiosa, tal como a Civilização que pretendem evocar. O link cá estará, em breve. Seremos leitores assíduos. JR

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Waugh in Tokyo 



Kelly: I'm under Evelyn Waugh.
Charlotte: Evelyn Waugh was a man.

A minha mãe sempre foi uma fã incondicional de Brideshead Revisited, essa fantástica série de televisão britânica dos anos 80, protagonizada por Jeremy Irons. Mas só muitos anos mais tarde (quando lhe emprestei o livro) é que ela viria a perceber que Evelyn Waugh era um escritor e não uma escritora. Um homem, portanto. Um erro comum? Cada vez estou mais convencido que sim. No filme Lost in Translation, a loirinha Kelly regista-se naquele hotel como Evelyn Waugh. Também ela julgava que Evelyn era um nome feminino. JR


Pétalas caídas 

O Pedro Lomba anuncia agora o fim do Flor de Obsessão. Não é tanto o fim da sua escrita que mais me entristece. Infelizmente, há já algumas semanas que ele praticamente não escrevia, ou escrevia muito pouco. O que mais me entristece é o facto do próprio blog vir a ser encerrado no final desta semana. Nunca mais o vou poder ler. Pela minha parte, já escolhi e guardei os meus posts preferidos. Durante as próximas semanas irei publicando alguns desses posts, aqui e ali. Mas quem tem razão é o Ivan Nunes, do A Praia: não basta escolher os melhores posts, para os guardar. Aquele blog devia ser publicado em livro, tão bonita, pessoal e narrativa que por vezes era a sua escrita. O Pedro Lomba é dos bloggers cuja escrita mais apreciava. Vou sentir a falta dele. JR

"Ouço alguém insurgir-se contra as ideias feitas. Contra os clichés. Não percebo tamanho desespero, tamanha fúria contra o óbvio. Seremos forçados a debitar Espinosa em todas as ocasiões? Não. Há ideias feitas lindas, profundas, irrefutáveis. Quem se incomoda com as ideias feitas, quem reage repulsivamente à banalidade, está incomodado e inquieto com outra coisa. Com a sua própria incapacidade de pensar."

23 de Fevereiro de 2004


"Ando por Lisboa nesta noite amena, vagamente ventosa. Sinto qualquer coisa no ar mas não atinjo. Então cruzo-me com um grupo de raparigas e, subitamente, chego à luz. Esta cidade tresanda a sexo."

25 de Junho de 2003


terça-feira, fevereiro 17, 2004

Real Good News 



E por falar no Shopping Monumental: lavando as mãos, nas casas de banho, ouço "Satellite" e "Deathly", da incomparável Aimee Mann (relembrar a banda sonora do fabuloso "Magnolia", de P.T. Anderson), no circuito interno de som. Terão dado pela minha entrada no centro comercial e decidido fazer-me uma surpresa agradável? Não sei. Apenas sei que gosto cada vez mais daquele sítio. JR

Uma cidade, três continentes 

Basta atravessar o Saldanha a pé, vindo da Avenida da República, em direcção à Fontes Pereira de Melo, ao Monumental ou ao Saldanha Residence. Passo por grupos de yuppies engravatados, senhoras altivas e benzocas e penso: não há dúvida, estamos numa capital europeia, fenética e atarefada. Mais adiante, à espera do 108 para as Galinheiras, estão mulheres africanas, encostadas às acácias, cavaqueando em creoulo. Uma imagem só visível em Bissau ou em Dakar. Entro no centro comercial, onde nos cafés, nas esplanadas e nas lojas, os empregados e empregadas brasileiras, em cada vez maior número, nos servem com o seu delicioso sotaque e uma simpatia acima da média. Este podia ser um shopping de São Paulo. Não há muitas cidades pelas quais trocaria Lisboa. JR

segunda-feira, fevereiro 16, 2004

De volta (again) 

Regresso ao cabo de algumas semanas de ausência. Primeiro os deveres, depois a brincadeira. Por outro lado, problemas informáticos no PC (o computador, não o partido, valha-me Deus!) têm-me mantido afastado da blogosfera mais tempo do que desejaria. Felizmente que tivemos o Ricardo em grande estilo, a cumprir os serviços mínimos. As próximas semanas servirão (espero) para recuperar o terreno perdido. Há muito para escrever. Por agora, e para deixar a mesa limpa, algumas notas avulsas sobre os acontecimentos das últimas semanas:

1- A morte de Fehér deixou-me transtornado. Tendo tido a infelicidade de a presenciar em directo (na SportTV), não será para mim fácil esquecer aquele sorriso simples e alegre, segundos antes de nos deixar. Nem tão pouco será fácil esquecer aquela tenebrosa fotografia na revista Visão, em que vemos Miki prostrado no relvado, amparado por Sokota e Cléber, com aquele horripilante olhar vazio, vidrado, a contemplar o vale negro da Morte. Por vezes ela chega assim, sem aviso. E tudo isto nos doí mais ainda por ter acontecido a um rapaz como Miklos Fehér. Simples, simpático, bonito, trabalhador e honesto. Veio sozinho para Portugal aos dezoito anos. Eu repito: aos dezoito anos. Sozinho. Mesmo durante o seu calvário no último ano do FC Porto, desterrado na equipa B, vítima de guerras mesquinhas, não se queixava, não chorava em publicou. Repetia a sua vontade de trabalhar de jogar, de aprender, de evoluir. E fazia-o. Em silêncio e sorrindo. Num desporto em que as carreiras são curtas e voláteis, talvez só ele soubesse como deve ter sofrido com a ansiedade e a raiva durante aquela longuíssima época de 2001-02, o ano mais longo da sua curta vida. No Benfica reencontrou a alegria de jogar, marcar golos e representar de novo a selecção do seu país. Nos estádios, fez vibrar os adeptos com os seus golos (vi quatro dele, no Jamor, em Junho e Setembro passados). Todos os companheiros gostavam dele. Ia-se casar em Junho. Era feliz. E agora deixou-nos. Espero vir a jogar com ele, um dia. Os meus centros de pé esquerdo merecem cabeceamentos como os dele. Até um dia, Miki.

2- As primárias nos EUA. Ao contrário do que muito boa gente previa, trouxeram a derrota em toda a linha desse carroceiro estridente que dá pelo nome de Howard Dean e do seu discurso irresponsável e populista. Mais curioso ainda é verificar que o grande vencedor até agora, o senador John Kerry foi justamente aquele que desde o início apoiou a intervenção da Coligação no Iraque, o que mostra que a opinião dos eleitores Democratas sobre a intervenção no Iraque está longe do simplismo e da histrionice de grande parte da opinião pública (ou publicada) da Old Europe. Pessoalmente, ficarei satisfeito com a reeleição de George W. Bush em Novembro. Não me sinto qualificado para discorrer sobre a sua actuação a nível interno (onde, diga-se de passagem, a economia recupera a todo o vapor), mas a nível externo sou apoiante de primeira hora da sua enérgica e pragmática actuação no Afeganistão e no Iraque. Muito há ainda por fazer, mas a continuidade do primo George é a melhor garantia de que o serviço não ficará a meio. Mas apesar de tudo, uma vitória do senador Kerry nas presidenciais também não me chocará. De todos os pré-candidatos Democratas é, sem dúvida, aquele com perfil mais presidenciável e responsável. Uma parelha Kerry/Edwards vencedora em Novembro não me fará entrar em hibernação.

3- Sobre o "Compra-me isso Portugal". Nada tenho contra a reunião dos empresários. O sururu que a mesma instalou nas hostes é bem a prova que conseguiram mexer com o país, o que já é um bom começo. Há de facto nesta nova geração de empresários e gestores um grau de consciencialização política e de interesse pela causa pública que é de saudar. Mas os factos estão aí: enquanto que em Portugal temos apenas duas plataformas sindicais (a UGT e a CGTP), garantindo uma relativa unidade dos trabalhadores, há dezenas de associações patronais e associações industriais (AEP, AIP, CIP et al.), cada uma a falar para o seu lado. O que as empresas e a indústria precisam em Portugal é de uma voz única e de uma cúpula organizada. Espero que esta reunião tenha sido o primeiro passo nessa direcção. Apesar de tudo, temo que a credibilidade desta reunião tenha sido ferida de morte logo à partida pela inenarrável e gananciosa venda da Somague à Sacyr (daí o novo nome do certame), por parte de Diogo Vaz Guedes, um dos principais promotores do evento. Por que será que, sendo ele um dos principais mentores do movimento, apenas vimos António Carrapatoso, Filipe de Botton e António Mexia a dar a cara? Ele lá saberá.

4- O regresso de João Pereira Coutinho à escrita, no seu site. A leitura diária dos seus artigos, first thing in the morning, é para mim um hábito de higiene. Parafraseando o grande Rui Reininho, quando falava da sua leitura diária dos jornais desportivos, as crónicas diárias do JPC são "a minha limpeza kármica, o meu omm matinal". E o seu regresso é também um motivo de alívio. A sua prolongada ausência tinha-se iniciado na semana em que o Pipi deixou de escrever, e como ele nunca mais tinha escrito, já estava a ficar preocupado. Lá tínhamos nós que adicionar mais um nome à nossa lista de suspeitos…

E por agora é tudo. Acrescentei (ou tenho acrescentado) vários links à nossa lista: O Aviz, o Rua da Judiaria, o Virtualidades, o Quinto dos Impérios, o Avatares de um Desejo, o País Relativo e, last but not least, o blog de Andrew Sullivan, um dos maiores cronistas da actualidade. Tudo do melhorio. Entretenham-se, que eu já volto. JR

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

O património paisagístico não é renovável 

A União Europeia, esse anão político (como disse há quinze dias o primeiro-ministro checo Vladimir Spidla na sua visita oficial de três dias a Portugal, quando brilhantemente comparou as riquezas e impotência política internacional da UE às da Itália Renascentista), decidiu que até 2010, 39% da energia eléctrica deverá ser proveniente de fontes renováveis.
Lembrei-me então do liceu, onde aprendi que a principal fonte do nosso país era a queima de combustíveis fósseis, seguida da energia hidroeléctrica. Supus que a médio prazo toda a energia nacional seria obtida em barragens cada vez maiores e mais numerosas, mas em breve aprendia que os custos ecológicos dessa opção seriam superiores aos benefícios da energia renovável assim obtida. Qual é então a proposta de Bruxelas? Parques eólicos. E Portugal vê-se assim de repente obrigado a construir um parque eólico por semana, até 2010, investindo 4000 milhões de Euros. Esta proposta é assustadora e eu diria mesmo megalómana. Aquelas ventoinhas, no alto de postes gigantescos, são tão desumanas que fazem as antenas de comunicação dos telemóveis parecerem belas e humildes árvores. E como já foi mencionado, não vão ser duas ou três: vão ser muitas, e espalhadas por todo o país. Eu não sou adepto dum país deserto recheado de bucólicas paisagens, onde nada se pode construir nem empregos se podem criar. Mas a realizar-se este projecto de proporções estalinistas, o nosso património natural e paisagístico vai sofrer um duríssimo golpe e as consequências desta agressão dificilmente permitirão que se volte atrás, pois se já somos pobres para pagar elefantes brancos, ainda mais pobres somos para arcar os prejuízos por eles causados. Aliás, as crueldades do nosso Fado e a imbecilidade de muitos dos seus protagonistas levaram a que o maior elefante branco da história de Portugal tenha sido…um projecto de energias renováveis – a barragem de Cabora Bassa!
Enfim, a proposta dos órgãos de poder da União não é justa, nem criativa. O que seria uma aposta estratégica e revolucionária seria a substituição dos combustíveis fósseis na propulsão dos automóveis (e a tecnologia já existe, só precisa de investimento para ser aperfeiçoada e de vontade política para ser implementada), e a descoberta de novas fontes de energias renováveis que não agridam as paisagens desta forma. Será assim tão difícil?
Olhando para a irrelevância da União na resolução dos problemas do Médio Oriente, ou de quaisquer outros problemas internacionais, fico com a ideia que se estabelece uma certa frustração em Bruxelas, que reage ditando com autoritarismo Directivas aos países mais pequenos, sem lhes dar qualquer margem de manobra. Isto não é bom para ninguém, sobretudo para Portugal. Não podemos abandonar a União, mas temos urgentemente que encontrar uma alternativa que nos permita tomar opções estratégicas sem estarmos permanentemente dependentes dos fundos com os quais se tem comprado uma boa fatia da nossa soberania e da nossa auto-estima. RM


terça-feira, fevereiro 03, 2004

Anything Else 



Não estou habituado a ver filmes de Woody Allen. Para mim, careciam de uma certa grandeza épica e de uma acção mais viva. Só recentemente, quando o vi receber o prémio Príncipe das Astúrias é que decidi aproximar-me mais da obra deste grande cineasta. O trailer do seu último filme, "Anything Else - A Vida e Tudo o Mais" interessou-me. A excelente crónica que Inês Pedrosa apresentou na Revista do Expresso convenceu-me em definitivo.
Fui ver o filme hoje à tarde no Monumental e dei um passeio pela zona antes de entrar, pois o percurso a pé desde a Gulbenkian até ao Saldanha, feito através da avenida Conde de Valbom é verdadeiramente delicioso.
O filme correspondeu às minhas expectativas. Trata-se da história dum jovem, Jerry Falk (o actor Jason Biggs, mais conhecido pelo papel principal na trilogia "American Pie") que escreve para comediantes em Nova Iorque e tem uma namorada verdadeiramente infernal, Amanda (Christina Ricci), pessoa fora do comum que no início da relação entre ambos representava todo um mundo de possibilidades, mas que agora não passava de um fardo excessivamente pesado (incluindo traições, caprichos e a chegada da mãe dela, para viver com ambos). Outros fardos eram o psicanalista e o agente de Jerry (interpretado por Danny DeVito), que lhe sugavam todo o dinheiro que podiam. A vida de Jerry começa a mudar após conhecer um colega de profissão, Dobel (Woody Allen), que influencia decisivamente o jovem durante longas caminhadas no magnífico cenário do Central Park. As teorias de Dobel não são a Via da Felicidade, e incluem de tudo, desde anedotas contendo lições de vida e filosofias de pacotilha até paranóias securitárias (chega a convencer o jovem a comprar uma espingarda de guerra soviética, pois segundo ele o povo Judeu está ameaçado onde quer que se encontre!!). Por entre banalidades, surgiam pérolas de bom senso, mas a decisão final de seguir o sonho ou tentar salvar a realidade só pertenceu a Jerry.
As meditações no parque, com a beleza da natureza envolvente, foram para mim as melhores partes do filme. As grandes decisões de toda uma vida não se tomam dentro de um cubículo, e não amadurecem em questão de horas. E à falta de um Central Park, eu tenho as vastidões do Alentejo para pensar em paz e com fertilidade de ideias. Foi um bom filme, e para o ano, estou inscrito para mais uma obra desse grande senhor do cinema que é Woody Allen. RM

segunda-feira, fevereiro 02, 2004

"Portugal não é um país do Terceiro Mundo" 

O velho sonho da Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo, segundo o qual Portugal devia juntar-se aos parceiros do Terceiro Mundo (afastando-se de “incómodos” como a Europa ou os EUA) ainda não se realizou: Portugal é um país industrializado, do Primeiro Mundo, onde a dignidade humana dos vivos é tão respeitada como a memória dos mortos. É um país onde o digno Fehér faleceu em circunstâncias dramáticas há uma semana no relvado do Estádio Dom Afonso Henriques em Guimarães, e nesse mesmo palco deu-se ontem à noite uma verdadeira batalha campal, com insultos, agressões, lançamento de moedas e para completar o ramalhete, as inevitáveis cadeiras voadoras. Os dirigentes não demonstraram muito mais urbanidade que os adeptos e jogadores. Perante tudo isto, a homenagem ao jovem húngaro ganhou contornos perfeitamente hipócritas: se não se respeitam uns aos outros, como podem pretender respeitar aqueles que já não se encontram entre nós? Uma vergonha num país sem vergonha. Nem autoridade. E é essa a principal lição que tiro destes incidentes – para educar uma nação são necessárias décadas, mas para que as forças da ordem possuam a força, os meios e a autoridade para terminar rapidamente com estas arruaças basta um ano e muita vontade política. Ora para o Euro 2004 já falta menos de um ano, e a vontade política de aumentar a autoridade das forças da ordem deve chegar a Portugal por volta do dia de São Nunca à tarde…
A reacção da Liga de clubes fez-me regressar primeiro aos tempos do corporativismo do Estado Novo, mas depois lembrei-me de algo mais grave ainda: o tempo em que a Igreja tinha tribunais próprios, onde a sua hierarquia definia as penas e os perdões dos membros do clero, que não podiam ser julgados pelos tribunais civis. Ora porque razão um jogador que agride outro de forma animalesca no fim de um jogo não é julgado e condenado por um tribunal?
Enfim, no tempo de Salazar dizia-se que "Portugal não é um país pequeno". Hoje podemos dizer com a mesma gabarolice provinciana que "Portugal não é um país do Terceiro Mundo". RM

domingo, fevereiro 01, 2004

STS-107, in memoriam 



David Brown, Rick Husband, Laurel Blair Salton Clark, Kalpana Chawla, Michael Anderson, William McCool, Ilan Ramon.



"The same Creator who names the stars also knows the name of the seven souls we mourn today. The crew of the shuttle Columbia did not return safely to Earth; yet we can pray that all are safely home."

George W. Bush, 1 de Fevereiro de 2003



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